sexta-feira, 8 de maio de 2015

Decisões

Trabalhei durante cinco anos no apoio à vítima de violência doméstica. Assisti a cenas dramáticas e verdadeiramente traumatizantes. Mulheres espancadas na alma e no corpo. Mulheres que enfrentavam a dor e o medo para pedirem ajuda e se libertarem, mas que depois a justiça não conseguia proteger. Mulheres que acabavam por morrer às mãos de selvagens, doentes, que pensam que amor é poder, controle e submissão.
Cinco anos a conviver de perto com este flagelo humano e social. Cheguei a um ponto que me cansei desta luta inglória. Cansei-me de acreditar numa ajuda que não existe e e numa proteção que não chega. Cansei-me de não conseguir ajudar. Fechei o capítulo, mas não fechei o coração.
Há duas semanas, no meu actual local de trabalho, volto a deparar-me com uma situação interna de violência doméstica. Não consegui ignorar. Informei a pessoa, lutei, dei-lhe alternativas. Senti-me com a corda no pescoço. Pedi que apresentasse queixa, pois não ia ser a última vez. E não foi. Mas desta vez ela lutou e apresentou queixa. Ele foi liberto vinte horas depois. São marido e mulher, trabalham no mesmo sítio. Ele é o protegido da instituição, embora um zé-ninguém. Neste momento não consigo sequer pensar em olhar para o "dito cujo", fico cheia de raiva quando oiço a sua voz, até porque sei, que ele sabe, que fui eu que instiguei a mulher a quebrar o silêncio. 
Felizmente não consegui ficar calada e não meter a "colher" onde não sou achada. Não posso fechar os olhos e compactuar com uma situação destas. Não quero, nem consigo ser cúmplice de um crime, só porque posso pôr em risco o meu trabalho. Por isso, já decidi. Hoje fecha-se mais um capítulo da minha vida profissional. 

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